É na tentativa de não ser muito monótono para os meus colegas – porque também eu não espero encontrar aqui textos cuja única motivação para os ler venha da “obrigação” ética distribuída em aula – que deixo aqui o meu primeiro post. Não será o último, feliz ou infelizmente, mas ainda assim tentarei não assumir um dos papéis mais cinzentos que a televisão assume hoje em dia: o de “encher chouriços”, passe a expressão.
Pode-se amar a TV? Pode. É possível. E para alegar isto posso defender duas causas possíveis. Posso tentar explicar o amor, a forma como se manifesta perante gente/ coisas a que quase todo o mundo guardaria ódio; as razões que a razão desconhece. Como diz o ditado – e com muito mérito, digo – “quem feio ama, bonito lhe parece”, por isso considero aqui, em primeira instância, que sim: é possível amar qualquer um, qualquer pessoa, qualquer objecto, qualquer coisa, incluindo a televisão. A televisão existe e por isso corre o risco de ser amada, tal como todas as coisas que existem. Hoje, a televisão está presente em todas as casas, assim, o risco de ser amada aumenta colossalmente.
A segunda prende-se com as razões que podem fazer alguém amar a TV. O conceito de qualidade televisiva não é, ainda, muito importante para o consumidor de televisão. Esse critério é definido pelo gosto do consumidor, pelo gosto de cada um. Um consumidor com gostos pouco exigentes será mais fácil de agradar. Será mais fácil amarmos a televisão se formos um desses consumidores. Mas nem todos têm o mesmo acesso à televisão. A televisão por cabo só é uma realidade para uma percentagem ainda pequena da população total do país. E nem todos são consumidores fáceis de agradar, por isso, esta é uma questão delicada.
Existem então quatro variáveis, a saber:
· Se formos consumidores pouco exigentes e tivermos acesso à televisão por cabo, a probabilidade de se amar a TV é grande: temos o privilégio de assistir a inúmeros canais, com eles vêm inúmeros programas e uma diversidade inigualável. Assistimos ao programa “X” no canal “A” e quando este acaba mudamos para o canal “B” porque vai começar o programa “Y”. Ou então deixamo-nos ficar no canal “A” porque também gostamos de o programa “Z”. Assombra-nos apenas a árdua (ironicamente, claro) tarefa de escolher. Nestas circunstâncias é muito fácil amar a TV.
· Se formos consumidores muito exigentes e tivermos acesso à televisão por cabo, criamos uma inconsciente tendência para reduzir para 4 ou 5 os canais que consideramos terem alguma (não muita, porque somos muito exigentes) qualidade. Possuímos televisão por cabo, mas só usufruímos dela às vezes e apenas a um espólio de canais reduzido. Torna-se assim mais difícil amar a TV, no entanto, não é impossível, basta que esses 4 ou 5 canais que achamos terem qualidade nos surpreendam com uma programação capaz de nos agradar na maior parte das vezes.
· Se formos consumidores pouco exigentes e não tivermos acesso à televisão por cabo, ainda que a variedade e o espólio de canais seja drasticamente menor, a enorme capacidade de adaptação que o ser humano possui fará com que se tornem suficientes para o nosso lazer os canais que nos sobram. O deslumbre não é muito, mas ainda assim é possível amar a TV, haja a capacidade de a desligar nas alturas em que nada que nos agrade está no ar.
· Se formos consumidores muito exigentes e não tivermos acesso à televisão por cabo, fica praticamente comprometida a capacidade de amar a TV. O espólio de canais é reduzido assim como é a probabilidade de se encontrar algo que nos agrade neles. E isso alia-se ao facto de ser difícil agradar pessoas difíceis de agradar. Pode ser que consigamos amar um programa ou dois, mas a TV…
Concluo, até porque o tamanho deste post veio a tornar-se considerável, que as possibilidades de amar a TV são boas. Tudo depende de nós e da capacidade que temos para amá-la. O conceito de qualidade nunca será uníssono e buscará sempre os formatos mais lucrativos, como tal, resta-nos adaptar os nossos gostos àquilo que nos é dado a ver. Televisão: amá-la-emos em algumas circunstâncias, mas convém não esquecer que existem muitas outras coisas a merecer o nosso amor: livros, rádio, internet ou até gente.